O massacre de Suzano e os games: nosso posicionamento

A população brasileira foi surpreendida nesse último dia 13/03 pela notícia do ataque perpetrado por duas pessoas em Suzano (SP), que causou a morte de oito vítimas, além dos dois responsáveis pelo já denominado massacre. Além das vítimas fatais, juntam-se à lista seus familiares, amigos, professores e outras tantas pessoas que sofreram, sofrem e continuarão sofrendo seja pela perda irreparável dos entes queridos ou pelo abalo psicológico decorrente dessa terrível situação. Muito terá de ser feito e será um longo caminho para tentar trazer algum conforto a essas pessoas.

Muito tem sido noticiado por veículos de comunicação no Brasil e no Exterior a respeito e é compreensível que se busque entender quais teriam sido as motivações do adolescente de 17 anos e do adulto de 25 anos, o que teria levado essas duas pessoas a provocar essa tragédia. É possível que não se saiba com exatidão quais foram essas razões. A mãe de um dos atiradores comentou em uma entrevista que o filho teria sofrido bullying na escola e por isso abandonado os estudos. Ao mesmo tempo disse que ele era um ótimo filho e que “não falava nada, ficava jogando videogame”.

E aqui chegamos ao ponto principal desta nossa manifestação. A exemplo de outras tragédias semelhantes, nesse caso já foi apontado um culpado: o videogame. A tese de várias pessoas, entre elas especialistas em Segurança Pública e até o vice-presidente da República, é que o videogame teria sido responsável por levar ao cometimento dessa barbárie. Segundo o vice-presidente, “essas coisas não aconteciam no Brasil” e que sua opinião era a de que “hoje a gente vê essa garotada viciada em videogame. E videogames violentos. É só isso que fazem”.

E essa não é a primeira vez que uma autoridade brasileira busca atribuir aos games, aos jogos digitais, culpa pela violência. Em janeiro de 2016 o então ministro da Justiça José Eduardo Cardozo afirmou que os games fazem apologia à violência. Em 2013 o na época deputado federal Jair Bolsonaro afirmou que os jogos violentos eram um crime e que era necessário coibi-los o máximo possível. Em 2006 o senador Valdir Raupp (PMDB/RO) foi o autor de um projeto de lei que pretendia classificar como crime “o ato de fabricar, importar, distribuir, manter em depósito ou comercializar jogos de videogames ofensivos aos costumes, às tradições dos povos, aos seus cultos, credos, religiões e símbolos”. Felizmente o próprio senador pediu o arquivamento do projeto depois de muita mobilização por parte de profissionais e acadêmicos ligados à indústria brasileira de jogos digitais. O fato é que desde os anos 1970 os jogos violentos causam polêmica e isso possivelmente começou com um jogo chamado Death Race, supostamente inspirado pelo filme Death Race 2000 de 1975, o que sempre foi negado pela empresa criadora do jogo.

Há muitos anos a relação entre os jogos digitais e a violência é estudada por pesquisadores de diversos países. Ainda que não exista um consenso a respeito já que há estudos que procuram mostrar que existe essa relação, tem havido uma prevalência de estudos nos quais conclui-se que tal relação não existe ou, pelo menos, que não pode ser provada e que há necessidade de continuidade nas pesquisas.

Outros tantos estudos vem mostrando os diversos benefícios proporcionados pelos jogos em vários aspectos, tais como o estímulo à imaginação, o desenvolvimento do raciocínio espacial, capacidade de resolução de problemas, a autonomia intelectual, a compreensão de que existem regras e da necessidade de segui-las e inclusive a socialização. E esses benefícios são estendidos a pessoas de todas as faixas etárias.

Crianças e adolescentes são expostos todos os dias a conteúdos violentos ou impróprios por meio da televisão e outros meios de comunicação, inclusive na presença de seus pais ou responsáveis. Os sistemas de classificação indicativa existem para proteger quem consome esses conteúdos, para que os pais e responsáveis selecionem os conteúdos aos quais essas crianças e adolescentes estarão expostos. Além disso, pode-se analisar esses conteúdos para concluir se são benéficos ou não. Não é uma tarefa fácil, ainda mais com a facilidade de acesso às informações das mais variadas fontes e a qualquer instante, mas é algo para o que se deve direcionar todos os esforços possíveis.

Existem também os casos nos quais a criança ou adolescente passa por situações que causam desconforto psicológico, tanto no ambiente escolar como no meio virtual. Já foram relatados episódios de bullying ou outras formas de assédio – e não são poucos – que levaram a suicídio ou a homicídio e em vários desses episódios os pais, professores ou responsáveis relataram não ter notado que o(a) jovem afetado(a) teria passado por essa situação.

E existem outras situações que levam uma criança ou adolescente a desenvolver alguma condição que precisaria de atenção e intervenção profissional, seja por psicólogos ou psiquiatras. Contudo, há desde a não percepção dessas situações, passando pela má compreensão de que se trata de “frescura” ou de “uma fase”, chegando até o preconceito que existe em relação a esses profissionais da Saúde pois, na visão de muitas pessoas, psicólogo e psiquiatra são “para loucos” e ninguém quer ser visto como “louco”.

A verdade é que não se pode atribuir a um único fator ou responsável, no caso o videogame, comportamentos violentos. O forte envolvimento de pais ou responsáveis na vida das crianças e adolescentes que estão sob seus cuidados é essencial, o que inclui conhecer mais sobre os jogos estão sendo jogados e discutir o quão benéficos (ou não) eles podem ser na formação dessas crianças e adolescentes, intervindo quando necessário ou buscando ajuda profissional quando essa intervenção não for possível ou não estiver sendo eficaz.

E é necessário deixar as declarações sobre os benefícios ou malefícios dos videogames para quem estuda o assunto evitando o conforto do senso comum e os decorrentes “achismos”, que podem ser tão ou mais maléficos quanto aquilo que se pensa ser a fonte do mal.

Essa é a posição da IGDA-SP a respeito do assunto, com a qual esperamos ter contribuído para enriquecer esse debate tão necessário.